A prova pericial em ações de divórcio
- Debora Nascimento
- 9 de out.
- 5 min de leitura
A prova pericial é um dos instrumentos mais relevantes em processos de divórcio que envolvem patrimônio complexo ou disputas sobre valores e rendimentos. Trata-se de um meio de prova técnica que fornece ao juiz informações especializadas, capazes de esclarecer fatos que ultrapassam o conhecimento jurídico comum, com objetivo de assegurar uma decisão justa, equilibrada e amparada por critérios objetivos.
Quando a prova pericial se torna necessária
A perícia não é obrigatória em todos os processos de divórcio, mas sua necessidade se evidencia quando a simples análise documental e testemunhal não é suficiente para avaliar bens ou fluxos financeiros. Entre as situações mais comuns, destacam-se:
Disputas sobre o valor e a partilha de bens relevantes, como imóveis, veículos, obras de arte e investimentos.
Questões relacionadas à renda e capacidade econômica para fixação de pensão alimentícia.
Apuração de patrimônio empresarial, especialmente quando um ou ambos os cônjuges são sócios de empresas.
Divergências sobre frutos, recompensas e sub-rogação de bens particulares.
Perícia em participações societárias
Quando há participação societária de um ou ambos os cônjuges, a perícia se torna indispensável para apurar o valor econômico das quotas ou ações. Define-se uma data-base, geralmente a separação de fato, e o perito analisa documentos societários e contábeis aplicando métodos como o balanço de determinação, múltiplos de mercado ou fluxo de caixa descontado, esses critérios permitem estimar o valor justo do negócio.
Também são feitos ajustes para refletir a realidade patrimonial, como: reclassificação de despesas pessoais pagas pela empresa, distinção entre pró-labore e lucros, tratamento de lucros retidos e análise de operações com partes relacionadas. O valor encontrado serve de base para a partilha, observados o regime de bens e eventuais sub-rogações.
Muitas vezes, a equalização ocorre por meio de compensações ou pagamentos parcelados, com garantias, a fim de preservar tanto a continuidade da empresa quanto a equidade entre os cônjuges.
Perícia e ocultação de bens
A atuação pericial é crucial na identificação de indícios de sonegação ou ocultação de patrimônio: o perito cruza dados de declarações fiscais, extratos bancários, investimentos, registros contábeis e informações de cartórios e órgãos públicos. A partir desse trabalho, é possível detectar práticas como:
Transferências atípicas de valores para terceiros, sem justificativa plausível.
Dívidas simuladas, criadas para reduzir artificialmente o patrimônio líquido.
Constituição de holdings ou novas empresas às vésperas do divórcio, como forma de blindagem patrimonial.
Subfaturamento de pró-labore ou distribuição de lucros para aparentar menor renda.
Utilização de recursos empresariais para despesas pessoais.
Com ordem judicial, o perito pode acessar sistemas como SISBAJUD, RENAJUD e INFOJUD, o que amplia a capacidade de rastrear valores e ativos ocultos. O resultado é a reconstrução de fluxos patrimoniais, permitindo recompor a verdadeira dimensão do acervo partilhável e reduzir tentativas de fraude.
Documentos indispensáveis à perícia
Para que o laudo seja consistente, o perito precisa ter acesso a um conjunto abrangente de documentos que permita reconstruir o histórico patrimonial e financeiro do casal. Esses materiais servem tanto para confirmar a origem dos bens quanto para identificar movimentações atípicas que possam indicar ocultação de patrimônio.
Entre os principais documentos, destacam-se:
Peças civis do casal: pacto antenupcial, certidões e documentos que fixem as datas-marco relevantes.
Comprovantes de aquisição de bens e dívidas, que mostram a evolução patrimonial e eventuais responsabilidades financeiras.
Histórico financeiro abrangente: extratos bancários e de investimentos de 24 a 60 meses, declarações de IRPF/IRPJ, cartões de crédito, previdência privada e FGTS.
Documentos societários e contábeis (quando houver empresas): contrato/estatuto e alterações, balanços, DREs, balancetes, SPED (ECD/ECF/EFD-Contribuições), razão, diário, política de distribuição de lucros e operações com partes relacionadas.
Ativos digitais: extratos de corretoras e registros de carteiras digitais.
A disponibilização completa desses documentos reduz prazos, evita diligências desnecessárias e aumenta a confiabilidade do laudo, assegurando maior segurança jurídica ao processo.
Hipóteses de nulidade da perícia
O Código de Processo Civil estabelece hipóteses em que a perícia pode ser anulada, isso ocorre quando há impedimento ou suspeição do perito, ausência de imparcialidade ou falhas metodológicas que comprometem o resultado. Entre as causas mais comuns estão:
Impedimento ou suspeição do perito, comprometendo sua neutralidade.
Cerceamento de defesa, pela não intimação das partes para apresentação de quesitos ou assistentes técnicos.
Metodologia inadequada ou ausência de fundamentação técnica.
Conclusões sem respaldo nos documentos analisados.
Extrapolação para juízos jurídicos, que não cabem ao perito.
Nesses casos, constatado o prejuízo, o juiz pode determinar a realização de nova perícia, garantindo o contraditório e o devido processo legal.
Perícia e regimes de bens
O regime de bens adotado pelo casal influencia diretamente no escopo e limites da perícia:
Comunhão parcial: partilha dos bens adquiridos onerosamente durante o casamento, exigindo atenção à origem dos recursos e à data de aquisição.
Comunhão universal: análise de todo o acervo, ativos e passivos, salvo exceções legais (como doações com cláusula de incomunicabilidade).
Separação convencional: regra da incomunicabilidade, mas pode exigir análise de eventuais confusões patrimoniais ou doações indiretas.
Separação obrigatória: possibilidade de comunicação dos aquestos condicionada ao esforço comum, conforme Súmula 377 do STF.
Participação final nos aquestos: cálculo da meação sobre os aquestos líquidos de cada cônjuge, demandando reconstrução patrimonial detalhada.
Independentemente do regime adotado, a atuação pericial é essencial para aplicar corretamente as regras jurídicas à realidade concreta do casal. Cabe ao perito verificar a origem dos recursos, identificar quais bens são comunicáveis, calcular recompensas e sub-rogações e quantificar os efeitos econômicos de cada regime. Esse trabalho evita distorções, assegura que a partilha reflita a situação patrimonial verdadeira e garante que o resultado seja juridicamente adequado e equilibrado para ambos os cônjuges.
Consequências da ausência de perícia
Nos divórcios que envolvem patrimônio relevante, a falta de prova pericial pode comprometer todo o andamento do processo. Sem a análise técnica, o juiz fica restrito a documentos apresentados unilateralmente ou a estimativas pouco fundamentadas, o que enfraquece a segurança da decisão.
Entre as principais consequências, destacam-se:
Avaliações imprecisas de bens e patrimônio: imóveis, empresas ou investimentos podem ser subavaliados ou superavaliados, resultando em partilhas desiguais.
Decisões baseadas em estimativas frágeis: na ausência de dados técnicos, o magistrado pode adotar critérios de equidade que não refletem a realidade econômica.
Maior risco de recursos e nulidades: a parte prejudicada tende a recorrer, alegando cerceamento de defesa ou ausência de elementos técnicos, o que prolonga a disputa.
Alongamento do processo e aumento de custos: sem perícia, a instrução probatória pode se tornar repetitiva, com diligências adicionais, audiências desnecessárias e gastos processuais maiores.
Perdas financeiras significativas: um cônjuge pode ser privado de valores que efetivamente lhe caberiam ou, ao contrário, ser condenado a partilhar bens em proporção maior do que a devida.
Insegurança para futuras negociações: a ausência de parâmetros técnicos dificulta acordos, mediações e até operações empresariais ou financeiras relacionadas aos bens discutidos.
Comprometimento da efetividade da sentença: decisões baseadas em informações insuficientes podem ser de difícil execução prática, gerando novas disputas.
Na prática, a ausência de perícia abre espaço para litígios prolongados e decisões instáveis, que podem ser revistas em instâncias superiores. Por isso, em cenários complexos, a perícia é indispensável para assegurar justiça, eficácia e previsibilidade.
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